1-A

Mais um capítulo 1, de mais uma história prematuramente falecida.
Começa a ficar repetitivo.


O líquido cor de âmbar escorreu vicoso sobre os envelopes ainda lacrados que Mirna jamais chegaria a ler - depois eu me preocuparei com isso, ela dizia, de um modo que não convencia nem a si própria. Eram três horas da manhã e ela não fumava. Na televisão, um filme mostrava uma Audrey viva e uma Shirley enforcada. Mirna não podia deixar de pensar nisso como uma coisa um tanto quanto macabra, um tanto quanto lúgubre. E se divertia na imundície confortável do quarto, à meia luz, mascarando problemas com álcool e fotos. Não conseguiria ler mesmo que quisesse, escrever tampouco. Levantou-se de repente num surto de impaciência e postou-se à janela. Amava a vista daquela janela. Desde que a bisavó ainda era viva, havia se acostumado com aquela vista noturna, o escuro do parque recortado por luzes aqui e ali, picotando a noite. A rua, estranhamente parada para uma madrugada de quinta-feira, parecia antes cenário que via de passagem. Era verão e a cidade estava vazia, exceto por trabalhadores que não podiam tirar férias e por não trabalhadores desesperados por um emprego. Mirna sabia em qual dos dois grupos estava e em qual dos dois grupos preferia estar. Não pensarei nisso agora, disse ela em voz alta, surpreendendo-se com a própria voz, que ainda existia. Nos paralelepípedos sob a janela, o vermelho de um táxi, areia triturada.

Número 3 saiu de dentro do carro, sob o braço a pasta, a mesma pasta de sempre.