Domingo

– Olha a chuva, mãe!
– Que é que há para se ver na chuva, menino?
– Que chove.
A mãe esfregava roupa num tanque, o menino, costas apoiadas na máquina de lavar, segurava um livro, mas prestava mais atenção no barulho de chuva, a luz da cozinha-área-de-serviço acesa, embora fossem quatro horas da tarde.
– Levanta daí menino, vai pegar uma gripe.
– Vou nada, tá bom aqui, mãe.
– Tá úmido aí, menino! Não tem nada que fazer lá dentro? Onde já se viu, lugar de criança não é aqui perto do tanque não.
– Mas é que eu gosto tanto de ler com o barulho da máquina de lavar...
A mãe sorriu, “esse menino não bate bem”.
– Mãe, a senhora acha que pode cair raio aqui em casa?
– Raio, menino, que coisa para se pensar. Não cai raio nenhum, que Santa Bárbara não deixa.
– Mas, mãe, caiu raio na casa da Tatiana, Santa Bárbara tava aonde?
– Deixa de ser besta menino, deixa. Sabe a igreja no fim da rua? Tem pára-raio lá, não tem como cair raio na rua inteira.
– Ah... Mas a senhora tem certeza, mãe?
– Claro menino. Anda, aproveita que tá aqui e me ajuda a tirar essa roupa do balde.
– Mãe... O que a senhora está fazendo lavando roupa se está chovendo?
– Você hoje está impossível, menino – os dois seguravam o enorme balde um de cada lado, despejando a água turva no tanque – Tenho tempo de lavar durante a semana, tenho? Se eu não lavo roupa hoje, não lavo mais até o domingo que vem. Mais tarde a gente pega a roupa limpa toda e leva na casa da Dona Mariana, que tem máquina de secar.
– Ah, mãe, eu não quero ir na casa da Dona Mariana.
– Por que, menino? Uma senhora tão boazinha, trata você tão bem.
– Mas o marido dela tá sempre de porre.
– Menino! – Ela largou a roupa que esfregava e aproveitou para afastar uma mecha de cabelo do rosto. – Não fala assim do Seu Timóteo, menino, que coisa mais feia. Ele é padrinho da sua irmã.
O menino fez uma careta.
– Eu não gosto dele, mãe. A Adriana falou que ele sempre mexe com as amigas dela, detesto aquele velho.
– Não se fala assim das pessoas... Mas quando que a Adriana disse isso?
– Sempre diz, sempre que a Emília vem brincar aqui e ela me obriga a brincar com elas. Detesto a Emília também.
– Tadinha da sua irmã.
O menino terminou de despejar o balde no ralo.
– Mãe, é verdade o que a Emília falou, que ela é rica e a gente é pobre?
– Ela falou isso? Que menina boba.
– Falou sim, falou que a gente só pediu pro Seu Timóteo ser padrinho da Adriana porque eles são ricos, que a gente sempre precisa de alguém rico pra pedir favor.
A Mãe franziu a testa. – Que menina bobalhona essa sua amiga Emília.
A máquina de lavar emitiu um forte estalo e parou de trabalhar subitamente. Funcionava meio mal agora. Por um instante, foi audível apenas o barulho da chuva batendo no telhado de zinco da cozinha. Logo a máquina normalizou-se. O menino sentou-se novamente no chão, retomando o livro.
– A Emília disse que a Adriana vai ser rica também um dia. E que eu vou ser sempre pobre. Por isso que ela gosta da Adriana e não gosta de mim.
– Bobagem, menino, bobagem. Eu tenho tanto que fazer e você vem aqui falar de bobagem? Não tem lição pra fazer, não?
– Tô fazendo, mãe, tenho que ler esse livro pra escola.
– Então lê quietinho e deixa a mãe terminar a roupa. Adriana! – A mulher gritou para dentro – A sua irmã tá vendo televisão?
– Não sei, não sou babá dela. Acho que ela saiu pra brincar.
– Nesse tempo? Depois não me vem reclamar de dor de garganta. Você também não, sentado aí no frio. Que é que eu fiz para merecer isto?
O menino emburrou. Continuou a leitura do livro, mas não era capaz de se concentrar. Aquela leitura era muito chata.
– Mãe?
– Que foi, menino?
Ele não respondeu. A mãe continuava esfregando, esfregando.
– Mãe...
Foi a vez da mulher ficar em silêncio.
– Mãe!
– Que foi menino? – Ela parou de esfregar para olhar para o filho.
– Agora esqueci o que ia dizer.
– Era mentira então.
– Não era...
Seguiram quietos por mais algum tempo. A mãe percebeu a inquietação do filho, que baixava a cabeça para o livro sem prestar atenção e olhava em seguida para a basculante encardida, por onde entrava quase nenhuma luz naquele dia de chuva.
– Mãe, por que é que a senhora não fala nada?
– Como assim, menino? Porque eu não tenho nada para falar! Sábio é quem tem alguma coisa que falar, bobalhão é quem tem que falar alguma coisa.
– Eu gosto de passar o dia aqui com a senhora, mãe.
O telefone tocou lá na sala. O menino largou o livro e saiu para atendê-lo num pulo.
A mãe largou a roupa no tanque e enxugou as mãos na blusa. Juntou do chão o livro que o filho estivera lendo e leu o título enquanto passava a mão sobre a testa, o suor de dissipando na mão gelada de água do tanque. Lembrava de ter lido aquele romance havia muito tempo, quando ela mesma estava na escola. Mas será que lera mesmo? Não lembrava de nada da história, como se tivesse passado por ela muito rápido, sem assimilar coisa alguma. De repente, olhou para o relógio na parede e assustou-se, o final de semana passara muito rápido. Largou o livro num canto e foi ver com quem o filho falava ao telefone, de repente era uma de suas patroas para dar algum aviso e não confiava em criança para dar recados.
A máquina de lavar continuou zunindo, o barulho da chuva de fundo: orquestra dominical.

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