Uma noite com Ginger Rocha

Sou Ginger Rocha, habitué da noite porto-alegrense. É muita pretensão do tio Magorski chamar isto daqui de “uma noite com Ginger Rocha”, porque não existe uma noite na vida de Ginger, a vida de Ginger é uma noite que não acaba. Claro que fica tudo por isso mesmo, porque já deixei o tio Magorski fazer coisas muito menos providas de ética com Ginger Rocha do que isso. Ginger adora eufemismos bem articulados. Tem quem diga que eu sou uma clona brasuca da Patty Dimhusa do tio Pedrito. Em primeiro lugar, detesto essas gírias de gente contente, “brasuca”, xingue, mas respeite a si mesmo; quem fala “brasuca”, fala “fofo”, “massa”, “do balacobaco”, passa e-mail de auto-ajuda e acha que o mundo é um lugar bom de se viver – então que vá assistir ao Luciano Huck e não encha o saco. Jamais poderia me comparar com Patty, mestra e ídala, simplesmente porque Patty é internacional e Ginger, por sarcasmo do destino, é tão provinciana quanto cerveja Polar e mais bairrista ainda. Super me mudaria pra São Paulo ou para Buenos Aires, mundos de verdade, mas não suportaria os paulistas e os argentinos, respectivamente. Ginger pertence à noite de Porto Alegre e a noite de Porto Alegre precisa de Ginger para ficar um pouco menos boring do que já é. Mas Porto Alegre nunca vai ser Madrid, Ginger nunca vai ser Patty. Entretanto, admito: imito a Patty, sim! Essas galinhazinhas de hoje em dia não imitam a si mesmas o tempo todo com seus lencinhos Glória Kalil? – até meus amigos homens, que são todos gays, menos um, andam com essas coisas no pescoço, acho que eu estava de porre quando esses pedaços de pano dominaram o mundo, ou eu teria organizado um levante contra eles; e Ginger Rocha sempre ganha. Sou uma imitadora originalíssima, e é isso que me difere das franguetes da Independência.
Hoje, vou contar de uma noite dessas, como o Tio Magorski me pediu. “Se der certo essa porra”, ele me disse, “quem sabe você não aparece sempre aqui pelo blog, né, Ginger, meu amor”. Vamos lá, vamos ver o quanto as pessoas acham a Ginger aqui interessante.
Naquela noite, eu tinha vontade de acender uns dois, três cigarros, não sei o que se passava comigo. A Li – minha best da vez – não chegava nunca e os caras da mesa ao lado já me olhavam e riam indiretas e eu, que já me irrito facilmente, nem sabia o que eu fazia com os braços e nem queria mais minha cerveja. Da rua vinha um frio absurdo.
Decidi passar no banheiro e depois esperar do lado de fora, onde eu me sentia menos vulnerável, apesar do frio. Alguém que espera de pé na rua é menos loser que alguém que espera sentado num bar, porque esperar sentado pressupõe a possibilidade de esperar pra sempre, de ter sido deixado de lado, de ter sido escanteado por alguém; quem espera do lado de fora, de pé, na rua, ainda mais sendo mulher (sozinha como eu estava), espera com uma certeza, com a segurança de quem vai só fumar mais um cigarro porque a companhia se atrasou, mas vem - sempre vem.
Passou um táxi, passou outro, lá pelo décimo que passou comecei a ficar realmente puta - mas que diabo ela pensa que eu sou - e decidi andar, andar rua abaixo, meio que sem rumo, esperando que o mundo desse jeito naquela agonia que me matava de tédio e que eu conhecia de todos os dias. A Li ia se ver comigo. Dobrei numa esquina escura, nem pensei no medo, dobrei e vi uma luz meio vermelha, bar de putas ou seja lá o que era, vi e entrei. Sou dessas que sempre pensa que a sorte está esperando num single bar de um bar de putas. Lá dentro, uns losers como eu, mas assim que eu entrei e eles me viram, não me senti mais à vontade e pensei mesmo em sair correndo dali, aquelas pessoas nunca mais me veriam na vida mesmo, mas quando dei por mim já tinha sentado numa mesa bem suja, sentar direto no single bar é dar a cara a tapa, e já tinha pedido uma coisa barata pra garçonete muito antipática. Nem parecia um bar de putas por dentro, ou pelo menos eu não via nenhuma.
Logo uns bêbados começaram a discutir e um cara meio velho, meio novo saiu de trás de um balcão e botou os dois pra fora. Não era assim lindo e maravilhoso e eu bem que achei a voz dele meio afetada, mas eu me amarro num cara meio estranho, que faça as pessoas perguntarem. Decidi que eu meio que queria aquele cara.
Depois da briguinha todas as pessoas se acalmaram e continuaram sua noite boring, todas menos eu, que peguei a bolsa e me fui sentar no balcão pra ver meu alvo mais de perto. Ele era um tipo de barman. Pedi a ele uma vodka "pura com gelo", "pura?", e eu repeti, e ele "é isso mesmo que tu quer?" e eu olhei lá no cérebro dele "te quero com limão e sal". Mas disse "ops, com gelo e só". Ele me serviu a vodka e eu comentei que tava muito frio e ele nem deu muita bola pra mim. Terminei bem rápido pra pedir mais uma. Ele sorriu e disse "calma lá, não quer uma cerveja?", mas eu insisti na vodka. Amo vodka, "Vodka, você está aí? Aqui é a Ginger". Eu perguntei se o bar tinha aberto há pouco, porque eu não conhecia, imagina, Ginger Rocha não conhecia aquele bar, e ele me respondeu que estava lá já fazia uns três anos, que ele mesmo é que tinha aberto - de "tipo um barman" o meu crush evolui pra "tipo o dono do bar" e eu pensei "opa! já é". Ele de vez em quando tinha que atender alguém, mas sempre voltava pra falar comigo, porque eu comovi o rapaz com a história de ter sido abandonada no outro bar pela minha "melhor amiga", disse assim mesmo, fazendo aspinhas com as mãos, que homem adora mulher fazendo essas babaquices, de certo acham cute. E eu era só feromônios, também há que se considerar isto. Enfim, eu nem sabia mais que assunto puxar, decidi encostá-lo na parede da próxima vez, dizer - senão com todas as letras, com toda a convicção – pros hormônios dele que eu tava tri a fim. Superafim. Pra chegar nesse nível de determinação, é preciso dizer, eu passei por uma longa reflexão; na bagagem, dois meses de abstinência sexual, sobre a mesa, quatro doses de vodka vazias – eu não sou tão vadia barata assim como faço parecer às vezes. Sou Ginger Rocha, habitué da noite porto-alegrense.
O cara veio de novo mais rápido do que eu imaginava e eu “opa, azar, é agora”, e disse pra ele:
– Duas palavras: absinto.
– Oi? 
– Issae.
– Absinto é meio forte pra quem já pegou quatro vodkas.
– Me pega.
– Como?
– Digo, isso mesmo, absinto. Dois. Eu não perguntei teu nome.
– Ivan.
– Continuo não perguntando. Mas já que tu me disse, Ivan, podia pegar dois absintos e fazer o favor de tomar um deles comigo?
– Infelizmente já estamos fechando, os garçons estão reclamando que querem hora extra. Daqui a pouco já estou indo pra casa...
– Você mora onde, Ivan?
– Cidade Baixa.
– Coincidência! – Tri que eu moro na Zona Sul, pelo menos durante a semana. Mas Cidade Baixa é Zona Sul, come on. E Bomfim é Zona Norte.
– Se tu quiser, divido um táxi contigo.
– Tô de carro, chica.
– Melhor ainda.
Foi assim que o furo da Li me rendeu uma bela noite – apesar de não me lembrar muito bem dela, porque depois que chegou em casa, que chegamos na casa dele, o Ivan não precisava mais dirigir e daí foi só whisky. Digo, só alegria. Pra ficar no eufemismo bem articulado, digamos que a boca do Ivan conheceu e se tornou íntima de partes do corpo de Ginger que nem Ginger conhece, ela que sabe tudo da night. Minha mestra e ídala, Patty Dimhusa, ficaria orgulhosa. No outro dia passei na casa da Li lá pelas onze horas, para tomar um banho, e ela veio dizer “desculpa, Gi, fui em outra festa, sinto muito”, mas eu achei que não parecia muito sincero, melhor se ela dissesse “desculpa, Gi, fui noutra festa”. O Ivan me rendeu um ou outro rolo depois, mas isso fica para depois, porque eu tenho que dormir antes que anoiteça – Ginger Rocha não perde tempo dormindo depois que anoitece. Vamos ver se o tio Magorski se pilha de contar esses rolos outro dia.

Um comentário:

Leti. disse...

que o tio se pilhe de contar mais rolos da chica habitué.

lê-los-ei como ela bebe vodka. sem o gelo.

bisoum´appelle